sábado, 3 de setembro de 2011

Nacionalismo e a Literatura Brasileira

O objetivo do presente texto é discorrer sobre o tema do nacionalismo e suas relações com a literatura brasileira. A discussão girará em torno de dois aspectos importantes dentro do tema: a construção necessária do imaginário nacional e a crítica a esse nacionalismo.

A história do Romantismo no Brasil confunde-se com a própria história política brasileira do início do século XIX. Fatos como a invasão de Portugal por Napoleão e a subseqüente transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil, ambos ocorridos em 1808, afetam profundamente a vida brasileira e contribuem para o processo de independência política nacional. A Independência, ocorrida em 1822, desperta a consciência de intelectuais nacionais para a necessidade de se criar um imaginário nacional com suas próprias raízes históricas. O Romantismo, antes mesmo de ser uma reação à tradição clássica, assume um importante papel no sentido de ser anticolonialista e antilusitano. Quanto a isso há um especial interesse, uma vez que a rejeição à Europa e aos seus códigos culturais dará o tom às criações artísticas dos românticos. O enaltecimento da figura do índio insere-se nesse movimento. Portanto, um traço essencial do Romantismo é o nacionalismo. Este se revela um norte ao movimento, abrindo um leque a ser explorado. Além do indianismo, tem-se também o regionalismo, a pesquisa histórica e as críticas nacionais, todos sendo aspectos ligados intimamente à constituição de uma identidade verdadeiramente brasileira.

Para a construção do imaginário nacional revelou-se de suma importância o apelo aos aspectos naturais do território, responsáveis em grande medida – aos olhos desses primeiros nacionalistas – pela formação de uma sociedade pacífica, democrática étnica e religiosamente, cuja existência seria marcada pela abastança e paz social. Referindo-se a esse nacionalismo “primitivo”, Antonio Candido nos diz:

(...) correspondia em primeiro lugar a um orgulho patriótico de fundo militarista, nutrido de expulsão dos franceses, guerra holandesa e sobretudo do Paraguai. Em segundo lugar vinha a extraordinária grandeza do país, com o território imenso, o maior rio do mundo, as paisagens mais belas, a amenidade do clima. No Brasil não havia frios nem calores demasiados, a terra era invariavelmente fértil, oferecendo um campo fácil e amigo ao homem, generoso e trabalhador. Finalmente, não havia aqui preconceitos de raça nem religião, todos viviam em fraternidade, sem lutas nem violências, e ninguém conhecia a fome, pois só quem não quisesse trabalhar passaria necessidade. (CANDIDO, 1995, p.13)

O papel desempenhado pela literatura não deve, em hipótese alguma, ser diminuído numa análise sobre a formação de um imaginário nacional entre os brasileiros e a posterior crítica a esse nacionalismo. Antonio Candido define o Romantismo como um “nacionalismo literário”. Os hinos laudatórios oitocentistas, como o próprio Hino Nacional, são representativos desse “amor febril” pelo Brasil. A literatura desse período, como demonstra Candido, inseria-se num contexto mais amplo de quebra dos laços que ligavam os brasileiros à Metrópole. Diz o autor:

O Romantismo no Brasil foi episódio do grande processo de tomada de consciência nacional, constituindo um aspecto do movimento de independência. Afirmar a autonomia no setor literário significava cortar mais um liame com a mãe Pátria. Para isto foi necessário uma elaboração que se veio realizando desde o período joanino, e apenas terminou no início do Segundo Reinado, graças em grande parte ao Romantismo que, importando em ruptura com o passado, chegou num momento em que era bem-vindo tudo que fosse mudança. O Classicismo terminou por ser assimilado à Colônia, o Romantismo à Independência – embora um continuasse a seu modo o mesmo movimento, iniciado pelo outro, de realização da vida intelectual e artística nesta parte da América, continuando o processo de incorporação à civilização do Ocidente. (CANDIDO, 1995, p.10)

Aspirando a uma construção sólida da identidade nacional, que filiasse o Brasil a um passado independente da intervenção européia, havia a necessidade de personagens que reunissem em si os aspectos definidores da “brasilidade”. O índio atende a esse pré-requisito básico. Vê-se em Gonçalves Dias o maior representante da corrente dita “indianista”. Por meio de suas poesias, este escritor enalteceu tanto a figura do indígena como a natureza do Brasil – “I-Juca Pirama” e “Canção do Exílio” representam, respectivamente, estes dois aspectos –, construindo um verdadeiro projeto de identidade nacional.

Se por um lado tem-se esse comprometimento com a construção de um espaço nacional, de culto à glória da Nação, por outro deve-se destacar a atuação de indivíduos cujos esforços foram no sentido de negar os pressupostos erigidos pelos nacionalistas e demonstrar a falácia de suas idéias. Um dos pontos criticados diz respeito ao próprio esforço de fuga aos padrões europeus, do qual o enaltecimento da figura do índio faz parte. Há autores que criticam o nacionalismo tanto do ponto de vista de seus aspectos formais quanto do ângulo de sua visão conservadora, baseada em costumes europeus. A esse respeito Sandra Jatahy Pasavento diz:

[...] Embora o romantismo se volte para o específico e o singular, que dariam o tom original brasileiro no contexto da civilização ocidental, seu padrão de referência ainda é a Europa. Na falta de um passado clássico ou de uma Idade Média, José de Alencar vai idealizar o substrato nativo, nas trilhas do indianismo romântico que permite criar o “mito das origens” para o Brasil [...] A positividade das virtudes do índio era afirmada como compensação simbólica diante da carência das tradições históricas que a Europa esbanjava. Romantizado o contato com o homem branco [...] O resultado é uma recriação imaginária distante das condições concretas da existência, mas que não invalida a sua força de representação. A leitura do real feita pelo texto literário era dotada de uma alta carga de positividade para a elite branca escravista e se apresentava como plausível e conveniente [...] Por outro lado, a menção a uma América como pano de fundo para performance brasileira, encontrada na prosa e poesia romântica, não constitui um horizonte para a construção da identidade nacional.(PASAVENTO, 1998, p.25)

Leyla Perrone remete a outro motivo pelo qual haveria tamanha necessidade em constituir nossa imagem diante do Outro, mencionando o fato de sermos um “lugar desprovido do passado do Outro e destituído do seu próprio passado”. Perrone destaca a importância da literatura como agente efetivo na constituição da consciência nacional, no Brasil e nas outras nações latino-americanas. Observa a autora:

[que] “Numerosos estudos sobre o nacionalismo demonstraram que a nação é um conjunto de imagens, e que ela se constitui graças a metáforas. Algumas metáforas utilizadas nos discursos identitários da America Latina nos permitem captar as dificuldades da constituição de sua auto-imagem e verificar que essa imagem depende sempre do outro europeu, quer seja para imitá-lo, quer para rejeitá-lo.” (MOISES, 2007, p.33)

Percebe-se que as metáforas criadas são demasiadamente autodepreciativas, ou, pelo menos, conflituosas. Exibem claramente um sentimento de inferioridade em relação à Europa. A questão de americanismo aparece em vários autores latino-americanos, inclusive em Sérgio Buarque de Holanda:

“Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra”. (HOLANDA, 1981, p.3)

À consolidação da independência política do Brasil ou, em outras palavras, ao advento do Estado nacional entre nós teve de corresponder, no plano do imaginário, a formação de uma identidade propriamente brasileira. A partir de então, um novo Estado deveria construir a figura de seu próprio povo, traçar uma história para o mesmo e dar-lhe símbolos nacionais aos quais cultuar. Tal processo de formação da identidade brasileira – baseado no enaltecimento dos povos primitivos e das características naturais do território –, e que veio a culminar no surgimento do nacionalismo serviu-se em grande medida da literatura como veículo para suas idéias. Poesias, romances e hinos cantaram as belezas naturais do país cujo povo – refletindo a grandeza territorial, a riqueza da fauna e da flora e a abundância de outros recursos naturais – organizou-se numa sociedade pacífica e próspera. Séculos de uma história marcada indelevelmente pela violência e pelo derramamento de sangue foram esquecidos em nome de uma idealização do passado que visava à formação de uma identidade útil ao presente, demandada por elites dominantes e construída por intelectuais e artistas comprometidos com a causa. Em sentido oposto, a crítica a esse movimento de construção da “brasilidade” é profundamente frutífera, ao demonstrar o caráter ideológico dos discursos por ele engendrados e os pressupostos sobre os quais foram construídos, ampliando a percepção das bases políticas, econômicas e sociais sobre as quais foi erguido nosso próprio país.


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